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13/01/2023 às 11h02min - Atualizada em 13/01/2023 às 11h02min

Minuta golpista abre nova investigação contra Bolsonaro; leia íntegra do documento

Texto reforça linha de omissão deliberada contra Anderson Torres

Evaristo Sá - 05.out.22/ AFP
Por Renata Galf e José Marques

Folha de São Paulo - A apreensão, na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, de uma minuta (proposta) de decreto para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) abre novas rotas de investigação sobre os ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro.

Segundo especialistas, a informação revelada pela Folha representa um indício jurídico que pode pesar contra Torres e Bolsonaro, mas cujas reais implicações e efeitos para ambos dependerão dos próximos passos e de outros elementos de prova.

O principal aspecto do documento, a princípio, é o indício de que haveria efetivamente um debate sobre caminhos para dar um golpe.

Integrantes da cúpula do Ministério Público Federal veem caminhos também para que o ex-presidente seja incluído em uma investigação sob suspeita de integrar uma organização criminosa contrária ao Estado democrático de Direito.

Pensam, ainda, que o documento abre caminho para que se iniciem tratativas para um eventual acordo de delação premiada de Torres.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) já pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar as condutas de Anderson Torres, que tem ordem de prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes do STF e respaldada pelo plenário da corte.

Cerca de 80 procuradores do Ministério Público Federal também pediram ao procurador-geral da República, Augusto Aras, investigação Bolsonaro por suspeita do crime de incitação. Alguns procuradores entendem que a minuta pode servir como um elemento de prova contra o ex-presidente numa eventual apuração.

Para a maior parte dos especialistas, porém, o fato isolado de o documento ter sido feito não constitui crime por parte de quem o fez, mas, a depender do que mais for descoberto em relação a ele, pode vir a representar uma prova de envolvimento –ou ao menos omissão deliberada, no caso de Torres– nos atos criminosos de 8 de janeiro.

Em um tuíte em suas redes sociais, Torres não negou a existência do documento e deu a entender que a minuta teria sido entregue a ele por um terceiro, além disso criticou sua divulgação, afirmando que ele foi "vazado fora de contexto".

"No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição, o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil", escreveu.

O material apreendido pela PF tem indicação de ter sido feito após a realização das eleições e teria objetivo de apurar abuso de poder, suspeição e medidas ilegais adotadas pela presidência do TSE antes, durante e depois do processo.

De acordo com fontes ouvidas pela Folha, o documento cita o restabelecimento imediato da lisura e correção da eleição de 2022. O esboço de decreto tem três páginas, em papel, e foi feito em computador.

Para a criminalista Ana Carolina Moreira Santos, em tese, a minuta pode representar mais uma prova de que a conduta de Torres em relação aos atos de domingo teria sido intencional e que, com isso, ele poderia responder por crime contra o Estado democrático de Direito que tenha sido cometido na data, numa modalidade do direito que se refere à omissão de alguém que tem um dever de agir.

A professora de direito penal da USP Helena Lobo diz não ver, neste momento, que, do ponto de vista criminal, a minuta possa ser um elemento contra o ex-presidente, o que dependeria de outras provas que mostrassem sua ligação com o documento. "Isso é a ponta de um iceberg que agora vai ter que ser começado a sem investigado pela polícia e pela PGR", afirma

No caso de Torres, por outro lado, ela considera que a minuta é um indício que reforça inclusive o embasamento para o decreto de prisão expedido pelo STF.

O coordenador da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) Renato Ribeiro, diz que a minuta pode corroborar "com o contexto de que o ex-presidente incitou atos que contestaram o resultado das urnas e incentivaram as situações que ocorreram no dia 8 de janeiro".

"Dependendo do desenrolar das investigações, se ficar comprovado que o ex-presidente incitou esses atos ou foi um financiador desse tipo de atos, pode levá-lo a uma condenação ou a um pedido de prisão", afirma.

Segundo a professora de direito penal Raquel Scalcon, a minuta em si não constitui um crime. Ela considera que a discussão principal estará no no seu valor da minuta enquanto elemento probatório de possível envolvimento na organização de atos antidemocráticos, e que, no caso de Bolsonaro, as consequências do documento são mais incertas do que em relação a Torres.

"A minuta é um importante ‘problema a mais’ para Bolsonaro, piora juridicamente a situação, porque é um indício que não pode ser ignorado", avalia ela com base no que se tem conhecimento sobre seu conteúdo.

"Mas que pode ser fortalecido ou arrefecido com os próximos capítulos".

Ela destaca, porém, que ter o documento em formato físico dificulta a obtenção de mais elementos a partir do próprio arquivo, como dados de autoria e data.

 

VEJA A ÍNTEGRA DA PROPOSTA DE DECRETO

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições que lhe conferem os artigos 84, inciso IX, 136, 140 e 141 da Constituição,

DECRETA: Art. 1° Fica decretado, com fundamento nos arts. 136, 140, 141 e 84, inciso IX, da Constituição Federal, o Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social.

Trechos de minuta de decreto encontrada pela PF na casa  de ex-ministro de Bolsonaro

Trechos de minuta de decreto encontrada pela PF na casa de ex-ministro de Bolsonaro

Trecho de minuta de decreto encontrada pela PF na casa de ex-ministro de Bolsonaro - Reprodução

§1°. Fica estipulado o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento da ordem estabelecida no caput, a partir da data de publicação deste Decreto, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período.

 

§2°. Entende-se como sede do Tribunal Superior Eleitoral todas as dependências onde houve tramitação de documentos, petições e decisões acerca do processo eleitoral presidencial de 2022, bem como o tratamento de dados telemáticos específicos de registro, contabilização e apuração dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior.

§3°. Verificada a existência de indícios materiais que interfiram no objetivo previsto no caput do art. 1° a medida poderá ser estendida às sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais.

Art. 2° Na vigência do Estado de Defesa ficam suspensos os seguintes direitos:

I - sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral, durante o período que compreende o processo eleitoral até a diplomação do presidente e vice-presidente eleitos, ocorrida no dia 12.12.2022.

Trechos de minuta de decreto encontrada pela PF na casa  de ex-ministro de Bolsonaro

Trechos de minuta de decreto encontrada pela PF na casa de ex-ministro de Bolsonaro

Trecho de minuta de decreto encontrada pela PF na casa de ex-ministro de Bolsonaro - Reprodução

II - de acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral e demais unidades, em caso de necessidade, conforme previsão contida no §3º. do art. 1°.

§ 1°. Durante o Estado de Defesa, o acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral será regulamentado por ato do Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral, assim como a convocação de servidores públicos e colaboradores que possam contribuir com conhecimento técnico.

Trechos de minuta de decreto encontrada pela PF na casa  de ex-ministro de Bolsonaro

Trechos de minuta de decreto encontrada pela PF na casa de ex-ministro de Bolsonaro

Trecho de minuta de decreto encontrada pela PF na casa de ex-ministro de Bolsonaro - Reprodução

Art. 3° Na vigência do Estado de Defesa:

I - Qualquer decisão judicial direcionada a impedir ou retardar os trabalhos da Comissão de Regularidade Eleitoral terá seus efeitos suspensos até a finalização do prazo estipulado no § 1°, art. 19,

II - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que poderá promover o relaxamento, em caso de comprovada ilegalidade, facultado ao preso o requerimento de exame de corpo de delito à autoridade policial competente;

III - a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;

IV - a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;

V - é vedada a incomunicabilidade do preso.

Parágrafo único. O Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral constituirse-á como executor da medida prevista no inciso I, do § do art. 136, da Constituição Federal.

Art. 4º A apuração da conformidade e legalidade do processo eleitoral será conduzida pela Comissão de Regularidade Eleitoral a ser constituída após a publicação deste Decreto, que apresentará relatório finai consolidaria conclusivo acerca do objetivo previsto no caput do art. 19.

Art. 5° A Comissão de Regularidade Eleitoral será composta por:

1 - 08 (oito) membros do Ministério da Defesa, incluindo a Presidência;

II - 02 (dois) membros do Ministério Público Federal;

III - 02 (dois) membros da Polícia Federal, ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal;

IV - 01 (um) membro do Senado Federal;

V - 01(um) membro da Câmara dos Deputados;

VI - 01(um) membro do Tribunal de Contas da União;

VII - 01 (um) membro da Advocacia Geral da União; e,

VIII - 01 (um) membro da Controladoria Geral da União.

Parágrafo único. À exceção das autoridades constantes do inciso I, cuja indicação caberá ao Ministro da Defesa, as indicações dos membros dos órgãos e instituições que integrarão a Comissão de Regularidade Eleitoral deverão ser feitas em até 24 (vinte e quatro) horas após a publicação deste Decreto no Diário Oficial da União, devendo as designações serem formalizadas em ato do Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral.

Art. 6°. Serão convidados a participar do processo de análise do objeto deste Decreto, quando da apresentação do relatório final consolidado, as seguintes entidades:

I - 01 (um) Integrante da Ordem dos Advogados do Brasil

II - 01 (um) representante da Organização das Nações Unidas no Brasil

III - 01 (um) representante da Organização dos Estados Americanos no Brasil (Avaliar a pertinência da manutenção deste dispositivo na proposta)

Art. 70. O relatório consolidado final será apresentado ao Presidente da República e aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e deverá conter, obrigatoriamente:

I - apresentação do objeto em apuração

II - a metodologia utilizada nos trabalhos

III - as contribuições técnicas recebidas

IV - as eventuais manifestações dos membros componentes

V - as medidas aplicadas durante o Estado de Defesa, com as devidas justificativas

VI - o material probatório analisado

VII - a relação nominal de eventuais envolvidos e os desvios de conduta ou atos criminosos verificados, de forma individualizada.

Parágrafo único. A íntegra do relatório final consolidado será publicada no Diário Oficial da União.

Art. 8° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, de de 2022. 201° ano da Independência 134º ano da República

Jair Messias Bolsonaro


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